quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O Contencioso Pré-Contratual



O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL: 
(NOVA VERSÃO)


Os actos administrativos pré-contratuais são susceptíveis de impugnação de duas formas: ou recorrendo à acção administrativa especial (a.a.e.) 46º/3 CPTA ou recorrendo ao processo urgente que o CPTA institui nos artigos 100º e seguintes, este não é nada mais que o meio processual específico, através do qual se deve proceder à impugnação de actos relativos à formação dos contratos aí taxativamente previstos. Só se devendo recorrer à a.a.e. quando não seja possível utilizar o processo urgente.

ÂMBITO:

O 36º/1/b) estabelece que o contencioso pré-contratual tem carácter urgente. O número dois, estabelece que os processos urgentes correm em férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, e os actos da secretaria são praticados no próprio dia com precedência sobre quaisquer outros, tratando-se por isso de um processo especial de impugnação instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, aplicando-se o regime da a.a.e sujeita aos requisitos dos 78ºss e com as adaptações necessárias previstas no 102º CPTA.
O artigo 100º/1 inclui os actos relativos à formação dos seguintes contratos:
. formação de contratos de empreitada
. prestação de serviços
. fornecimento de bens
. concessão de obras públicas
Aos procedimentos relativos à contratação de empreitadas, prestação de serviços e de fornecimento nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações regulados pela directiva nº93/38 CEE transposta para o direito interno pelo DL-223/2001, alterado pelo DL-234/2004, também se aplica o regime do contencioso pré-contratual do 100º-103º CPTA.
Segundo Prof. José Carlos Vieira de Andrade "não se percebe, porém, porque é que esse meio (processo urgente regulador do contencioso pré-contratual) só vale para contratos abrangidos pelas directivas comunitárias, como se não fosse uma solução boa para a generalidade dos contratos (...)", "Em defesa da opção legislativa poderá no entanto dizer-se que é legítimo, em defesa da própria urgência, limitar as situações de urgência, tanto mais que no âmbito das acções relativas ao procedimento de formação dos restantes contratos se admite, embora com um único fundamento. A decisão antecipada do fundo da causa no contexto do respectivo processo cautelar."


OBJECTO:

O processo de contencioso pré-contratual urgente pode ter como objecto:
-       Impugnação de actos administrativos pré-contratuais (por exemplo: abertura de concurso; publicação do anúncio; decisão de adjudicação; etc.) ou de actos equiparados praticados por sujeitos privados 100º/1/3 CPTA
-       Impugnação do contrato quando celebrado na pendência do processo 102º/4 CPTA

De acordo com as seguintes directivas: 89/665/CEE e 92/13/CE, também denominadas Directivas Recurso, a UE impõe aos Estados-Membros que estes adoptem métodos que possibilite a tramitação mais rápida de alguns processos. Nasceu então a exigência de criação de meios mais fugazes e eficazes para que a tutela jurisdicional efectiva, presente no 20º e 268.º/4 CRP. As Directivas Recursos,  possibilitam o lesado a actuar de forma urgente contra todos os actos administrativos que possam ferir de alguma forma o particular. 
Abrange ainda os Contratos Públicos, uma vez que o legislador ao transpôr as directivas para o direito interno administrativo português alargou o âmbito do 100.º/1 e 2 do CPTA englobando actualmente os contratos de concessão de obras públicas, e estendeu também a impugnação, aos documentos que precedem o concurso público. 
Deste modo no âmbito das Directivas Recurso as impugnações podem dirigir-se não apenas à anulação das decisões ilegais, mas também à supressão de especificações técnicas, económicas e financeiras discriminatórias incluídas no anúncio e programa do concurso ou caderno de encargos, podendo também originar a atribuição de indemnizações. Assim são susceptíveis de impugnação os actos:
. Actos primários e secundários: como por exemplo um acto de anulação do procedimento pré-contratual ou de revogação da adjudicação - Acórdão STA 14, Dezembro, 2005 nº905/2005: no acto administrativo de anulação do procedimento contratual existe uma conduta incompatível com a subsistência do acto de adjudicação que revela, inequivocamente, a vontade de revogar este último acto.
. Actos de conteúdo positivo e negativo: para a tutela efectiva jurisdicional, a existência do meio processual expedito, com vista a assegurar o princípio da concorrência no âmbito dos contratos públicos, deve ser aplicado, que para efeitos de impugnação de actos administrativos de conteúdo positivo, quer para o efeito de reacção contra negativos, ou situações de inércia administrativa, dirigidos à condenação à prática de actos devidos.
. Impugnação de normas emitidas pela entidade adjudicante: a disposição do 100º/2 ao admitir expressamente a possibilidade de impugnação de qualquer documento conformador do procedimento de formação dos contratos.
Deste modo, a garatia da via judicial para supressão de especificações técnicas, económicas e financeiras discriminatórias incluídas nos documentos contratuais permite aos particulares a impugnação directa das referidas normas nos processos urgentes, viabilizando a declaração de ilegalidade com eficácia geral das normas em causa, com base num pedido que pode ser apresentado sem necessidade de verificação de recusa de aplicação em três casos concretos 73º/1 CPTA.
PRAZOS:

Do 46º/3 resulta que o meio processual urgente instituído no 100º e seguintes CPTA é um meio processual necessário e não alternativo, a sua não utilização dentro do prazo estabelecido no 101º impede a impugnação dos mesmo actos nos termos previstos para a a.a.e. isto é, considera-se extinto o mesmo direito.
Hoje, ao abrigo do CPTA 101º o prazo de caducidade é de 30 dias, o acórdão do TCA do Sul de 7, Abril de 2005 nº655/05 decidiu que o prazo curto de um mês tem carácter imperativo e é o único aplicável à impugnação dos actos administrativos relativos à formação dos contratos previstos no 100ºCPTA, sendo imposto pela eficácia e celeridade do respectivo contrato, possa estar assegurada a sua estabilidade e legalidade da administração para o celebrar com o adjudicatório escolhido.

No sentido de o meio processual urgente dos artigos 100º-103º ser de utilização necessária e não uma alternativa à a.a.e., Vieira de Andrade, Mário Aroso de Almeida, Maria João Estorninho que refere nos termos do artigo 100º, a impugnação de actos relativos à formação dos contratos cabe a tramitação dos processos urgentes como aliás dispõe neste sentido 46º/3CPTA excluindo assim do âmbito da a.a.e. a impugnação de actos tendentes à formação de contratos.
Para Pedro Gonçalves este regime legal tem carácter imperativo, pela articulação entre 46º/3 e 100º/1 CPTA, bem como toda a ratio do regime pré-contratual conduzem necessariamente ao resultado de que a pretensão do interessado em relação a actos administrativos, se encontra exclusivamente coberta pelas regras do processo urgente. Assim, e sob pena de se atentar contra toda a lógica que comandou a instituição de um processo urgente, a utilização necessária nos casos aplicáveis deve manter-se.

O fim prioritário da instituição de um processo urgente de contencioso pré-contratual reside sobretudo na satisfação de dois perfis relacionados o interesse público, o interesse na estabilização rápida dos procedimentos pré-contratuais e o interesse na estabilização rápida dos procedimentos pré-contratuais e o interesse no início da execução dos contratos públicos, a lei parte do princípio geral de que são a entidade demandada e os interesses por ela prosseguidos, a reclamar uma "solução de urgência".

Assim, face aos argumentos expostos, isto é, tendo em conta os interesses públicos inerentes aos contratos e face aos interesses dos co-contratantes, bem como pela necessidade de uma rápida estabilização da situação jurídica, os prazos mais morosos, sem carácter urgente, não salvaguardam esses mesmos interesses, caso se opte por uma subsidariedade, permitindo a impugnação dos actos de acordo com o procedimento da a.a.e.

O único desvio ao prazo vertido do 101º prende-se com a impugnação de actos nulos, no entanto a doutrina e a jurisprudência diverge nesta questão, no entanto a posição minoritária parece fazer mais sentido uma vez que um acto que é nulo, não produz efeitos, e podendo a nulidade pode ser declarada a todo o tempo estes actos são sempre impugnáveis. É esta a disciplina dos actos administrativos em geral e naturalmente não deveria ser diferente com os actos administrativos pré-contratuais. Nesta óptica não faria sentido restringir o campo de aplicação do 101º a actos anuláveis até porque o legislador não o fez. Esta posição é apoiada pelo Prof. Pedro Gonçalves.

Apenas uma breve nota relativa à matéria da cumulação de pedidos. Dada a insusceptível resposta normativa expressa por via da remissão 100º/1 CPTA na medida em que a remissão não abrange o 47º CPTA que permite a cumulação de pedidos de anulação com pedidos de condenação, ou de reconstituição entre outros, anteriormente esta era uma questão debatida, hoje, é aceite a cumulação no regime pré contratual tanto pela doutrina como pela jurisprudência, assim caberá desde logo ao autor no momento de optar, se deve ou não proceder à cumulação de pedidos, avaliar se não estará a pôr em risco a celeridade e deste modo a efectividade da tutela que à partida este tipo de processo lhe poderá proporcionar.

CONCLUSÃO:

O direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso ao direito é um direito fundamental inerente a um Estado de Direito democrático, a efectividade da tutela exige providências urgentes, mas providências que não pertencem ao domínio da tutela cautelar, pois só podem ser proferidas num processo de fundo, claramente dirigido a proporcionar uma tutela final, que se debruce sobre a relação jurídico-administrativa, e com carácter de urgência dada a celeridade com que se impõe alcançar a justa composição de interesses públicos e privados envolvidos.
A garantia da via judicial para supressão das especificações técnicas, económicas e financeiras discriminatórias incluídas nos documentos contratuais é uma imposição da Directiva de Recursos 2º/1.
Assim, permitindo aos particulares a impugnação directa das referidas normas nos processos urgentes, viabilizando a declaração de ilegalidade com eficácia geral das normas em causa, com base num pedido que pode ser apresentado sem necessidade de verificação de recusa de aplicação de três casos concretos – 73º/1 CPTA.
Infere-se então que deste modo, face aos argumentos expostos, tendo em conta os interesses públicos inerentes aos contratos e face aos interesses dos co-contratantes, bem como pela necessidade de uma rápida estabilização da situação jurídica, os prazos mais morosos, sem carácter urgente, não salvaguardam esses mesmos interesses, caso se opte por uma subsidiariedade, permitindo a impugnação dos actos administrativos respeitantes aos seus procedimentos pela a.a.e. e não somente pelo processo urgente do contencioso pré contratual 100º CPTA.
Existindo cumulação de pedidos haverá que ponderar se a cumulação é de molde a justificar uma desaceleração do processo.

DICIONÁRIO: PRATA, Ana. Dicionário Jurídico, Almedina 1994

BIBLIOGRAFIA:

ANDRADE, José Carlos Vieira. A Justiça Administrativa, Almedina, 2006
GONÇALVES, Pedro. Avaliação do Regime Jurídico do Contencioso pré-contratual urgente, cadernos de Justiça Administrativa, Março 2007
MARTINS, Ana Gouveia. A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, Coimbra 2005
OLIVEIRA, Rodrigo Esteves. O Acto Administrativo Contratual – Cadernos de Justiça Administrativa nº 63 Maio/Junho 20