sábado, 30 de novembro de 2013

Da antecipação do mérito da causa no processo cautelar

O processo cautelar destina-se a obter o decretamento de uma providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.

Acontece porém que, por vezes, a mera tutela cautelar se apresenta como desadequada, não só no sentido de que pode não tutelar convenientemente os direitos e interesses que o particular visa ver assegurados, como também no sentido do seu decretamento poder vir a esvaziar a utilidade da decisão a proferir na causa principal. É que as providências cautelares podem acabar por ter efeitos irreversíveis (efeito evidente nas providências antecipatórias). Utilizando o exemplo da manifestação, dado pelo Professor Mário Aroso de Almeida, se a realização de uma manifestação for autorizada a título cautelar, isso faria com que, uma vez realizada a manifestação, o processo principal se tornasse imediatamente inútil. Há portanto situações em que é necessário obter, em tempo útil e com carácter de urgência, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo, sob pena de haver denegação da justiça.

É neste âmbito que assume relevância o Art. 121º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (C.P.T.A), este preceito, introduzido pela reforma, trouxe para o processo administrativo a possibilidade de convolação do processo cautelar em processo principal, permitindo ao juiz uma antecipação processual do juízo de fundo, caso haja manifesta urgência na resolução definitiva do caso.[1]

Apesar de, para adopção deste mecanismo, ser necessário estarem preenchidas condições legais bem rigorosas e de ser possível a impugnação da decisão de antecipação, é necessário haver uma interpretação rigorosa destes pressupostos e um grande cuidado por parte do juiz, que só em casos excepcionais deve decidir-se pela convolação. Isto porque o conhecimento do juiz nestes processos é, por definição, sumário, podendo inviabilizar a ponderação criteriosa do tribunal.[2]

Cabe então ao tribunal moderar a intenção das partes de ver decidido nos processos cautelares questões que merecem ser discutidas nos processos principais.

O STA tem vindo a reconhecer que, sempre que possível, se deve procurar o julgamento do mérito da acção, em honra ao princípio pro accione, no sentido de favorecer todas as hipóteses legítimas de exercício do Direito do particular, só deste modo se conseguindo uma tutela efectiva das posições dos particulares.

Podemos assim afirmar que o mecanismo previsto no art.121º é inspirado no “princípio da tutela jurisdicional efectiva”, encontrando-se do mesmo modo ligado ao princípio pro accione. É este princípio (no seu sentido amplo) que justifica a consagração da possibilidade de uma decisão “precoce” da causa necessitada de tutela cautelar (prevista no art. 121.º) e que relega para segundo plano o princípio da tipicidade da forma e dos trâmites processuais.

Da leitura do art. 121.º do CPTA é possível individualizar dois requisitos necessários à antecipação da decisão do mérito da causa no processo cautelar.
Primeiramente é necessário que a natureza das questões colocadas e a gravidade dos interesses em presença permitam concluir que existe uma “manifesta urgência na resolução definitiva do caso” que “não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar”. Trata-se de um juízo substantivo sobre a manifesta urgência na resolução definitiva do caso.

Sobre esta urgência especificada do art.121º, a jurisprudência fala numa “urgência qualificada”, pelo facto, de se tratar de uma situação na qual se revele insuficiente o decretamento de uma providência cautelar[3].

Como segundo requisito, este de natureza processual, temos a necessidade do tribunal se sentir em condições de decidir a questão de fundo, por constarem do processo todos os elementos necessários para o efeito (ampla defesa, oportunidade de contraditório). É necessário que se reúnam todas as condições processuais que permitam dar resposta à situação. Tal obrigação “significa que o tribunal não deve antecipar a decisão sobre o mérito da causa, mas decidir a providência cautelar, sempre que seja possível admitir que poderão ser trazidos ao processo principal elementos relevantes para a decisão de fundo”[4].

Passamos a fazer uma breve análise de cada um dos pressupostos do art. 121.º do CPTA.

I-                   Natureza das questões e a gravidade dos interesses envolvidos: na doutrina e na jurisprudência, há uma tendência para reduzir o campo de aplicação do instrumento previsto no art.121.º, estreitando-se a possibilidade da antecipação da decisão de mérito. A referência a “gravidade dos interesses envolvidos” e a “natureza das questões”, parece ter por base um critério de justiça material, que tem originado interpretações restritivas do preceito. Parte da doutrina restringe o campo de aplicação a situações em que estão em causa Direitos de natureza análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias. Estes Direitos, não cabendo dentro do âmbito de aplicação do art. 109.º do CPTA, podem ser tutelados através do art. 121.º[5].

II-                Requisitos de natureza processual

A)    Manifesta desadequação da mera tutela cautelar: Este requisito demonstra a natureza residual da decisão de antecipação. Ainda que determinada situação possa ser lesiva, se esta puder ser acautelada e tutelada provisoriamente, não deve ser antecipada a decisão final da causa.
Assim, a necessidade deste meio não se limita ao periculum in mora, sendo que o critério para a aferir da sua necessidade, se prende com a carência de uma tutela definitiva e urgente. Não se fala em “impossibilidade” mas em “desadequação”, o critério parece ser menos rigoroso. A expressão ”não se compadecer com decretamento de uma simples providência cautelar”, deve-se entender como uma situação de insuficiência da tutela cautelar e não como impossibilidade.[6]
Nestes casos de desadequação, o juiz não se pode limitar a decretar uma medida provisória, que, em rigor, tem efeitos definitivos, esvaziando a utilidade da decisão da causa principal.
Em situações em que esteja em causa questões pessoais ou profissionais dos requerentes, em que há uma desejável estabilização das situações das vidas em litígio, são casos em que antecipar a decisão da causa será a actuação que melhor garante a tutela jurisdicional efectiva.
É a necessidade urgente de uma decisão de fundo que torna a tutela cautelar insuficiente ou inadequada.

B)     Presença de todos os elementos necessários: “trata-se de exigência, cuidado e prudência, impostas pelo princípio do dispositivo e pelo princípio do processo equitativo”[7].
Esta exigência refere-se ao problema das consequências da antecipação da decisão de mérito, enquanto decisão com força de caso julgado. A antecipação da decisão tem de ser formada de maneira que não ponha em causa qualquer princípio processual capital.
Quando esteja pendente acção principal (casos em que é mais fácil verificar-se o preenchimento deste pressuposto), a antecipação do juízo de mérito da causa principal, irá determinar a inutilidade superveniente dessa acção, prejudicando as suas fases posteriores. As fases passam a resumir-se à audição das partes e á emissão de um juízo sobre a causa principal. Porque não pode haver uma diminuição das garantias de defesa, é necessário que o juiz disponha de todos os elementos necessários para proferir a decisão, quando entende usar deste mecanismo previsto no art. 121º. Assim, não pode haver matéria de facto controvertida relevante, nem necessidade de realização de quaisquer outras diligências de prova[8].

A prova produzida deve ser capaz de formar uma convicção bastante para fundar a decisão definitiva.
Deve ainda ser dada à parte, como consequência do princípio do contraditório, um prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a decisão de antecipação do conhecimento do mérito da causa.

Importa ainda referir que a possibilidade de antecipar a decisão da causa principal não deve ser apenas “usada” quando o juízo de prognose sobre tal decisão for positivo, ou seja, for no sentido da procedência. Isto porque como refere alguma jurisprudência, nada na letra do art.121º nos permite concluir por essa exigência de juízo de prognose positivo (a antecipação tanto pode resultar da procedência como da improcedência).
Verificados todos os requisitos cumulativos do artigo que permitem a antecipação, “não faria sentido que [o juiz] ficasse inibido da possibilidade de o fazer pelo simples facto de perspectivar uma improcedência da causa principal, alimentando, assim, e sem razões válidas, uma lide inglória para o demandante”[9].

Concluindo, a convolação constitui um meio que permite assegurar a efectivação do princípio da tutela jurisdicional efectiva em todos aqueles casos em que, muito embora se verifique urgência na resolução definitiva do caso, qualquer medida cautelar a adoptar não é apta a oferecer uma resposta satisfatória.

Como refere Vieira de Andrade, a possibilidade de antecipação da decisão de fundo através da convolação, constitui uma abertura do sistema para a criação ad hoc de novos processos urgentes, sempre que tal seja necessário e possível[10].

No entanto, este mecanismo, embora permita uma rápida decisão, está sujeito a requisitos apertados, que se justificam como forma de impedir a sua aplicação irreflectida e precipitada. Neste sentido se torna necessário fazer uma interpretação restritiva dos pressupostos, como forma de vedar as possibilidades de tutela antecipatória de mérito e de limitar as situações de urgência processual, sob pena de “sendo tudo urgente, nada ser urgente”.

O art. 121.º constitui uma válvula de escape para situações não previstas, em que haja uma efectiva urgência na decisão. A ela se pode recorrer não apenas em situações excepcionais, mas sempre que o juiz entenda que essa é a forma que melhor assegura a tutela jurisdicional efectiva na jurisdição administrativa.


Maria Isabel Campos Costa, nº 20417



Bibliografia

Andrade, José Carlos Vieira de, Almedina, 10º edição, Novembro de 2009 – “A justiça Administrativa”

Andrade, José Carlos Vieira de, “Tutela Cautelar” in Cadernos de Justiça Administrativa, nº34 Julho/Agosto 2002

Almeida, Mário Aroso de, Almedina, Outubro de 2010 – “Manual de Processo Administrativo”

Gouveia, Ana, FDUL, Lisboa 2002 – “A tutela Cautelar no Contencioso Administrativo”

Fonsesa, Isabel Celeste da, Contencioso Administrativo e autárquico: protecção de Direitos fundamentais - Direito Regional e Local, nº01, Janeiro/Março 2008;

Neto, Dora Lucas, “ Notas sobre a antecipação do juízo sobre a causa principal (um comentário ao art.121º do CPTA”, Maio de 2009 - Revista de Direito Publico e Regulação

Acórdão do TCA Norte da 1º secção de 26-07-2007, proc. 03160/06.3BEPRT













[1] Cf. José Carlos Vieira de Andrade, “Justiça Administrativa”, 10.ª ed., pp. 370 e ss.
[2] Cf. José Carlos Vieira de Andrade, ”Tutela Cautelar”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 34, Julho/Agosto de 2002.
[3] Cf. Isabel Celeste Fonseca, “Contencioso administrativo autárquico: a protecção de direitos fundamentais”, Direito Regional e Local, n.º 01, Janeiro/Março de 2008; e ainda o Ac. do TCA Norte, proc. 03160/06.3BEPRT, de 26-07-2007.
[4] Ac. do TCA Norte, proc. 03160/06.3BEPRT de 26-07-2007
[5] TCA Norte, no processo já indicado, parece seguir esta interpretação (…)”os interesses relevantes envolvidos, para efeitos desta aferição de manifesta urgência, não terão a ver, pelo menos directamente, com a protecção de direitos, liberdades e garantias, uma vez que a intimação urgente prevista no art. 109.º a 111.º do CPTA, já permitirá uma protecção adequada dos mesmos, mas antes com a protecção de outros direitos e valores importantes, designadamente os valores constitucionais referidos no art.9º nº2 do CPTA.”
[6] Neste sentido, Dora Lucas Neto, “Notas sobre a antecipação do juízo sobre a causa principal (um comentário ao art.121º do CPTA)”, Revista de Direito Público e Regulação.
[7] Ac. do TCA Norte, proc. 03160/06.3BEPRT de 26-07-2007
[8] Dora Lucas Neto, “Notas sobre…, cit., p. 58.
[9] Ac. do TCA Norte, proc. 03160/06.3BEPRT de 26-07-2007.
[10] Cf. José Carlos Vieira de Andrade, “Justiça Administrativa”, 10ª ed. p. 255.

As providências cautelares no processo administrativo

Antes da reforma do contencioso administrativo, os meios cautelares estavam reduzidos à suspensão da eficácia do ato, reduzindo-se o contencioso administrativo ao recurso contencioso de anulação. Desta forma, os meios cautelares inseriam-se numa categoria acessória dos meios processuais. Assim, até à revisão constitucional de 1997 só as providências cautelares do CPC eram aplicadas ao contencioso administrativo, com as devidas adaptações, sendo que as providências civis e administrativas concorrem em pé de igualdade tendo o juiz administrativo que avaliar as medidas adequadas a proporcionar tutela cautelar necessária.
 Desta forma, a partir de 1997 a CRP passou a consagrar a proteção cautelar (art.268º/2), constituindo esta uma forma de garantir o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares, tendo por sua vez o CPTA este regime nos arts.112º a 134º. Todas estas modificações da reforma permitiram aos tribunais administrativos o poder de decretar todo o tipo de providências cautelares. 
Após este enquadramento há que proceder a uma breve explicação sobre o que são as providências cautelares. Tais medidas são um instrumento jurídico que pretendem tornar efetiva a tutela jurisdicional dos direitos subjetivos, estando numa regulação provisória de interesses quanto à decisão principal, isto é, como a tutela efetiva não pode ser garantida a título definitivo de forma rápida, as medidas cautelares garantem a utilidade da decisão definitiva final assegurando a utilidade da sentença. Assim, nos casos mais demorados esta garantia protege a utilidade da decisão final.
O processo cautelar tem uma finalidade própria que se consubstancia em assegurar a utilidade da lide, cumprindo o seu objetivo ao garantir o tempo necessário para se fazer justiça, garantindo, assim, que a sentença proferida tenha ainda utilidade. É em função desta garantia, que as providências cautelares apresentam características próprias:
·  A instrumentalidade – que diz respeito à dependência da acção principal à qual se pretende dar uma utilidade, pelo que as providências cautelares só podem ser intentadas pelas partes que tenham legitimidade para desencadear o processo principal. As providências cautelares decorrem de um processo principal, tendo uma tramitação autónoma e um procedimento próprio, pelo que o regime aplicável a qualquer providência cautelar é o processo especial urgente tendo em conta o art. 128º CPTA.
·  A provisoriedade – a providência cautelar não é uma decisão decisiva, ou seja, o facto de a providência ser decretada não visa a solução definitiva de um litígio mas a sua resolução a título provisório até à sentença. Assim, o tribunal pode revogar, alterar, substituir na pendência do processo principal a sua decisão. 
· A sumaridade – significa que o tribunal deve proceder a uma cognição/conhecimento sumário da situação de facto e de direito. Desta forma, seguindo a providência uma tramitação urgente especial há apenas um conhecimento sumário dos factos.
A lei permite medidas cautelares de qualquer tipo, exigindo apenas que tais medidas sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir, tal como prevê o art.112º/1 CPTA. Aqui, ao juiz o requerente pode pedir tudo o que achar conveniente para satisfazer a sua pretensão.

Dos tipos de providências cautelares existentes cabe distinguis entre:
·   Providências conservatórias – o interessado pretende conservar um direito em perigo, evitando que ele seja prejudicado. Neste caso, pretende-se manter uma situação já existente assegurando ao requerente a manutenção da titularidade do direito ou o gozo de um bem
·     Providências antecipatórias – as que visam antecipar o resultado favorável pretendido no processo principal, previne-se um dano aditando-se a disponibilidade de um direito ou o gozo de um benefício a que o particular pretende ter direito 

As providências cautelares decretadas têm de ser adequadas tendo em conta a situação em causa, mas deve-se ter em atenção ao disposto no art.112º/2 CPTA, onde está elencado vários exemplos de medidas cautelares próprias do contencioso administrativo, podendo estas medidas próprias do contencioso administrativo ser conjugadas com as medidas referidas pela lei no CPC. Verifica-se, então, uma universalidade de conteúdos e de providências susceptíveis de serem pedidas e concedidas. 
No que toca à decisão cautelar, para que esta possa ser tomada há determinados requisitos que se têm de averiguar. Um desses requisitos é a perigosidade, passamos a esclarecer. Como já se referiu as medidas cautelares visam garantir a utilidade da sentença pressupondo a existência de um perigo de inutilidade (resultando do decurso de tempo) até uma pronúncia final. O art.120º/1al.b) CPTA esclarece e estabelece este requisito exigindo que “haja um fundado receio da constituição de uma situação de facto ou da produção de prejuízos de difícil reparação”. Assim, cabe ao juiz fazer um juízo de prognose para concluir se há razões que possam originar uma inutilidade da sentença por se ter consumado certa situação incompatível com a sentença final. Em suma, o juiz tem de concluir se há ou não receio na constituição de uma certa situação, tendo que tal receio que ser objecto de prova a cargo do requerente. Em princípio, tanto releva o periculum in mora de infrutuosidade (que origina uma providência conservatória), quer o periculum in mora de retardamento (que leva ao estabelecimento de uma providência antecipatória).
Quando é evidente e clara a procedência da pretensão formulada pelo requerente relativamente a uma medida cautelar, o juiz, ao abrigo do disposto no art.120º/1al.a) CPTA, não tem de justificar a sua decisão na comprovação da exigida perigosidade, embora tenha que ser provada que com tal medida cautelar se assegura a utilidade à sentença, pois se assim não fosse não estava justifica tal medida, dado que não se encontrava preenchido o próprio conceito de medida cautelar.
Com o decretamento da decisão cautelar, o juiz deve sempre ponderar as circunstâncias concretas de cada caso em função da utilidade da sentença, cabendo ao juiz avaliar cada caso concreto e decidir com base em critérios concretos de cada situação.
Em suma, o juiz avalia a aparência de direito, isto é, toma em consideração a probabilidade da procedência da acção principal, analisando o direito invocado pelo particular, pelo que o fumus boni iuris é um factor importante para a adopção de qualquer providência cautelar.
Nesta matéria relativa às providências cautelares há que ter em conta também o princípio da proporcionalidade na decisão da concessão ou recusa da tutela cautelar, procedendo à ponderação de todos os interesses em jogo de forma a acautelar os interesses preponderantes no caso concreto. Assim, mesmo que se verifique o fumus boni iuris e o periculum in mora, o juiz pode mesmo assim recusar a concessão da tutela cautelar se existir um prejuízo para o interesse publico (que normalmente está associado ao interesse do requerido) que se mostre superior ao prejuízo do requerente, tendo então de existir uma proporcionalidade e equilíbrio da decisão jurisdicional. Deve o juiz proceder a um juízo de prognose em que avalia o resultado da concessão ou recusa da medida cautelar.
No que toca a esta ideia de proporcionalidade e à dimensão da necessidade e adequação, ideia esta contida no art.120º/2 CPTA, aquando a referência à necessidade para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requente, há que ter também em conta o conteúdo da providência a adoptar, ou seja, tem de haver necessidade no seu decretamento seguindo a ideia do art.120º/2 CPTA. Em consequência, o juiz pode decretar uma medida tutelar que não lhe tenha sido requerida (em substituição daquela que o foi), se esta for a medida mais adequada a evitar e a lesão e a menos gravosa para os demais interesses em causa- art.120º/3 CPTA. Assim, a providência decretada em substituição será uma que satisfaça em termos adequados as pretensões do requerente, mas que cause menos prejuízo aos interesses contrários, sejam eles públicos ou privados.
Por fim, há que referir que tais medidas possuem um carácter urgente exigido pelo periculum in mora, pelo se segue uma tramitação rápida. Desta forma, há apenas uma cognição sumária em que se aceita apenas uma decisão provisória e, portanto, uma decisão não definitiva, estando pois associada à urgência de tal medida. A lei procura atender à diversidade de processos e gradua a própria urgência prevendo-se num contraditório limitado, mas admitindo em situações de especial urgência e sobretudo quando esteja em causa a probabilidade de lesão iminente de direitos, liberdades e garantias, o decretamento provisório imediato da providência requerida ou outra adequada, seguido o decretamento definitivo.            
Em termos conclusivos, a tutela cautelar constitui uma regulação provisória de interesses em que a decisão cautelar, pelo seu carácter provisório, caduca relativamente à execução da decisão principal. Por último, há que referir que o CPTA pretende assegurar a efetividade quer do processo, quer da decisão que conceda a providência cautelar.

Bibliografia:                                                                                                  
SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2009
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, 2012
ANDRADE, Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 2011
SOUSA, Miguel Teixeira de, Estudos sobre o novo Processo Civil, 1997


 Joana Matias, nº19648

Providências relativas à formação de contratos

Apesar de o contencioso pré-contratual ser um processo urgente, instituído em razão de urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa, pode acontecer que por vezes esse "carácter urgente" nem sempre seja suficiente para satisfazer o princípio da tutela jurisdicional efectiva. Como tal, devem os particulares servirem-se de medidas cautelares, de acordo com o artigo 2º, nº 2 do Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio, que transpôs a Directiva nº 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro. Nos termos do respectivo artigo, "com o pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação do contrato, ou previamente à dedução do pedido, poderão ser requeridas medidas provisórias destinadas a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, incluindo medidas destinadas a suspender o procedimento de formação do contrato". Os processos cautelares encontram-se numa relação de dependência face ao contencioso pré-contratual na medida em que, no contencioso pré-contratual os processos cautelares são meios acessórios que visam acautelar a produção de efeito lesivos do acto violador dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, não tendo autonomia própria face ao contencioso pré-contratual.
Importa chamar à colação o artigo 132º do CPTA, que consagra o regime específico de providências relativas à formação de contratos.
Passemos à citação do artigo:
"1 - Quando esteja em causa a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação de contratos, podem ser requeridas providências destinadas a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença, incluindo a suspensão do procedimento de formação do contrato.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, são equiparados a actos administrativos os actos praticados por sujeitos privados, no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público.
3 - Aplicam-se, neste domínio, as regras do capítulo anterior, com ressalva do disposto nos números seguintes.
4 - O requerimento deve ser instruído com todos os elementos de prova.
5 - A autoridade requerida e os contra-interessados dispõem do prazo de 7 dias para responderem.
6 - Sem prejuízo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º, a concessão da providência depende do juízo da probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências.
7 - Quando, logo no processo cautelar, o juiz considere demonstrada a ilegalidade de especificações contidas nos documentos do concurso que era invocada como fundamento do processo principal, pode determinar a sua correcção, decidindo, desse modo, o fundo da causa, segundo o disposto no artigo 121º."
Entende alguma doutrina que o disposto no nº 1 do artigo citado só se aplica à impugnação de actos administrativos, deixando de fora as normas conformadoras dos procedimentos pré-contratuais. No entender dos defensores desta doutrina, o processo urgente previsto no artigo 100º, nº 2 do CPTA é suficiente para acautelar os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, sendo certo que as normas conformadoras dos procedimentos pré-contratuais são conhecidas logo no início do concurso.
Contudo, este entendimento não é assim tão linear. De facto, não podemos entender que o artigo 132º, nº 1 apenas se refere aos actos administrativos se o confrontarmos com o nº 7, em que existe uma clara referência à impugnação das disposições conformadoras dos procedimentos pré-contratuais ("(...)especificações contidas nos documentos do concurso (...)"). Podemos então concluir que o legislador pretendeu que este regime cautelar também se aplicasse à impugnação de normas.
Quanto à marcha do processo, o artigo 132º afasta-se claramente do regime geral, consagrado no artigo 118º do CPTA. A título de exemplo, prevê-se no artigo 132º, nº4 que o requerimento deve ser instruído com todos os elementos de prova; contrariamente, de acordo com o artigo 118º/2, faculta-se a possibilidade de, nas contestações, a entidade requerida e os contra-interessados oferecerem meios de prova. A diferença consiste, precisamente neste aspecto: nas providencias relativas à formação de contratos é obrigatório que o requerimento seja instruído com todos os elementos de prova; no regime geral, pelo contrário, tal deixa de ser obrigatório, passando a ser facultativo.
O artigo 132º, nº 3 manda aplicar, por sua vez, as disposições do regime geral , sem prejuízo de serem derrogadas pelo regime específico do 132º. Contudo, esta derrogação é apenas "aparente", uma vez que o disposto no número 132º, nº 6 é praticamente idêntico ao artigo 120º, nº 2.
Porém, não podemos ignorar o facto de o legislador ter optado, no número 4 e 5 do artigo 132º, por afastar as regras do regime geral. Importa saber porque motivo não o fez com os critérios de decisão previsto no artigo 120º do CPTA, mantendo a formulação que constava no artigo 5º nº 4 do DL nº 134/98. De facto, a doutrina tem-se manifestado quanto a esta questão: por um lado (e em tom de crítica), há quem considere que esta formulação afasta os restantes critérios de decisão, nomeadamente o periculum in mora e o fummus boni iuris; por outro lado, há quem entenda que os critérios de decisão dos procedimentos cautelares relativos à formação de contratos não afastam o periculum in mora, impondo, no entanto, uma ponderação de interesses, que se afaste do conceito tradicional do "prejuízo de difícil reparação" e do "justo  receio".
Por último, o artigo 132º, nº 7 permite que o juiz se pronuncie antecipadamente quanto ao mérito da causa se se considerar "demonstrada a ilegalidade de especificações contidas nos documentos do concurso que era invocada como fundamento do processo principal". Esta admissibilidade tem sido objecto de discussão doutrinária, na medida em que se pode estar a abdicar, até certo ponto, da característica da provisoriedade das providências cautelares.
O artigo 132º deve ser considerado, por isso, um artigo autónomo sobre as providências cautelares relativas à formação de contratos. De facto, o seu âmbito de aplicação vai para além do artigo 100º. nº 1  do CPTA, na medida em que a tutela cautelar prevista no artigo 132º se aplica a todos os actos relativos a procedimentos com vista á formação de contratos, ao passo que o disposto no artigo 100º se destina apenas ao contratos que o próprio refere. 

Bibliografia:
Mário Aroso de Almeida, "Manual de Processo Administrativo"
Vasco Pereira da Silva, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise"

Sofia Rebelo, 19491 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Tutela Cautelar Administrativa

No contencioso administrativo, as medidas cautelares têm especificidades próprias em relação às conhecidas em Processo Civil. Notamos nisso, logo na Constituição, dado que esta vem estipular uma garantia aos administrados de uma tutela jurisdicional dos seus direitos e interesses legalmente protegidos através de diferentes meios, entre os quais inclui precisamente a possibilidade adopção destas nossas medidas cautelares por parte dos tribunais. O número 4 do artigo 268º da CRP, após a revisão de 1997 vem explicitar esta ideia.

As providências cautelares são um instrumento útil e, por vezes, francamente necessário de reacção da parte que intentou um processo nos tribunais administrativos, de modo a poder assegurar que o processo principal em que se insere possa vir a chegar a uma sentença útil. Dada a morosidade da justiça, o processo tem uma dilatação temporal mínima causada pelas formalidades do processo e pelo trabalho humano envolvido, pelo que nesse lapso de tempo, a proposição da providência cautelar pode surgir como fundamental para assegurar uma justiça efectiva, prevista no número 4 do artigo 20º da CRP; e esta ideia surge reforçada quando confrontada com as enormes dificuldades que os tribunais apresentam, em termos de lentidão na conclusão das lides.
Apesar das dificuldades que providências cautelares apresentam na vida prática, o seu mérito e necessidade sobrepõem-se-lhes. Assim sendo, no CPTA, esta matéria surge regulada no Título V, sendo-lhe dedicada os artigos 112º a 139º. 

Para AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA esta contraposição deve ser enquadrada num ponto de vista funcional e interligado com os diferentes casos a tutelar, entre situações jurídica finais, estáticas ou opositivas e situações jurídicas instrumentais, dinâmicas ou pretensivas. São estas, de forma geral, as situações em que a satisfação do interesse em causa necessita precisamente de uma prestação de outrem; e aquelas como as situações em que se não se pretende mais do que uma abstenção de alguém, de modo a não por causa o interesse do seu titular. Ora às situações jurídica finais, estáticas ou opositivas corresponde o meio de tutela adequado as providências conservatórias. Já diante situações jurídicas instrumentais, dinâmicas ou pretensivas seriam adoptadas providências antecipatórias. Ilustrando, pode-se dizer que as providências cautelares conservatórias visam manter, provisoriamente um determinado status quo até à decisão final tomada no processo principal, de modo acautelar determinados interesses presentes naquele momento – por exemplo a suspensão da eficácia de um acto administrativo ou norma, prevista no 112º/2 a) do CPTA. No entanto, não quer isto dizer que a adopção de uma medida cautelar conservatória não possa justificar que se pratiquem condutas activas de modo a manter o status quo ante. Por sua vez, as providências antecipatórias visam prevenir, provisoriamente, que não se estabeleça uma nova situação jurídica distinta daquela que se pretende obter com o processo principal, como por exemplo, a admissão provisória em concursos e exames, prevista no 112º/2 b) do CPTA.
No entanto, vale a pena indagar a razão para exigências diferentes para as providências antecipatórias e as conservatórias. A doutrina dominante defende que se exige maiores certezas nas providências antecipatórias em razão da intromissão que estas representam na actividade administrativa, que pode levar ao prejuízo dos interesses dos requeridos e eventuais contra-interessados. No entanto, ISABEL CELESTE FONSECA e MIGUEL PRATA ROQUE manifestam-se contra esta distinção, preferindo que o legislador tivesse adoptado um “conceito de indícios suficientes da existência do direito, que se bastasse com a mera possibilidade de procedência do processo principal”, que pouparia ao juiz cautelar o “esforço ciclópico” de distinguir providências conservatórias de providências antecipatórias. PRATA ROQUE socorre-se de uma metáfora interessante: “Assim como os paramédicos não estão em condições de recusar assistência a um hipocondríaco, só porque não estão certos da veracidade dos seus sintomas, também não devia o legislador ter arriscado negar pronto-socorro a quem clama por um direito que não aparenta ser manifestamente infundado”. Em sentido oposto, CARLA AMADO GOMES diz: “A razão da distinção quanto aos critérios de ponderação da possibilidade de decretamento da providência reside na maior responsabilização do julgador perante a emissão de uma providência antecipatória – que consumirá, total ou parcialmente, a decisão final. Quanto mais a providência cautelar tender a consumir os efeitos (fácticos) da decisão final, maior deve ser o cuidado do juiz na ponderação, forçosamente sumária, da necessidade da sua emissão”. Ao que anteriormente se mencionou, exposição de razões do CPTA vem chamar-lhe “critério gradualistapelo que se entende a ideia de adequação entre os efeitos que podem surgir da adopção do meio cautelar e a probabilidade da procedência da acção principal.

O cerne da questão reside nos requisitos de admissão das providências cautelares presentes nas alíneas b) e c) do artigo 120º do CPTA. Na verdade, elas estão dependentes da averiguação de três exigências, dois comuns e um bifurcado consoante a providência cautelar seja antecipatória ou conservatória, que iremos analisar de seguida:
1-      Fumus bonus iuris, ou aparência de bom direito, patente no 120º/1 c) CPTA, em que se exige que haja pelo menos uma verosimilhança de um direito legítimo a tutelar, que justifica a atenuação do grau de prova necessário para a decretação da providência, no entendimento de TEIXEIRA DE SOUSA. Na opinião de PRATA ROQUE, “A consagração expressa do fumus bonus iuris como critério principal de decretação de providências cautelares administrativas constituiu uma machadada final no dogma da presunção de legalidade da actividade administrativa”, dado que afasta a presunção de que a execução de quaisquer actos ou operações materiais pela Administração Pública se encontram abrangidos pelo interesse público. Nas providências antecipatórias exige-se uma probabilidade do pedido no processo principal ser julgado procedente (120º/1 c)), enquanto que nas providências conservatórias exige-se, como diz o 120º/1 b) “…não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada…”, sendo, como vemos, uma enunciação menos rigorosa do que a estabelecida para as providências antecipatórias. De facto, este critério foi descrito por CARLA AMADO GOMES como um fumus non malus, expressão particularmente bem conseguida pela autora.

2-      Periculum in mora, ou perigo na demora processual, patente nas alíneas b) e c) do número 1 do artigo 120º do CPTA. No entanto, não é qualquer perigo de dano que justifica o deferimento de uma providência cautelar, mas só o perigo qualificado de dano, um perigo de dano que emerge da demora do processo principal. Há duas situações em que o juiz nem sequer tem que analisar a existência do periculum in mora; uma delas ocorre sempre que o requerente preste garantia suficiente. No âmbito de uma acção que vise apreciar o pagamento de quantia certa de natureza não sancionatória, 50º/2 e 120º/6 CPTA.  ALBERTO DOS REIS recusava a necessidade de um juízo de certeza nos mesmos moldes que o juízo, pois seria incompatível com o âmbito instrumental e tendencialmente célere das providências cautelares. Aliás, como se pode depreender através dos artigos 22º CRP e 2º/2 e) e f) do CPTA, a demora processual susceptível de causar prejuízos às partes (quando ilícita), legitima a instauração de uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado. Voltando ao entendimento de ALBERTO DOS REIS, “Não basta, decerto, qualquer receio vago e inconsistente; é indispensável que o receio seja justo, quer dizer fundado em factos, atitudes, indícios seguros; mas daí até à proposição de que o tribunal só deve decretar as providências quando tenha adquirido a certeza de que vai produzir-se lesão, a distância é grande”.

3-      Este último requisito é negativo, e chamamos-lhe ponderação de interesses, presente no 120º/2 CPTA. É a resposta à subjectivização do contencioso administrativo, que tende a levar ao esquecimento da tutela da legalidade e do interesse público. Assim, a providência deve ser recusada sempre que “os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”. No plano europeu a doutrina também tem divergido, por um lado, defende-se que a tutela cautelar não pode constituir um elemento de perversão do sistema democrático, permitindo que um só particular ponha em causa a execução administrativa de decisões democrática e legitimamente tomadas pelos órgãos para tal eleitos, por outro, alguns contendores reivindicam o princípio do efeito directo da União Europeia, que permite a qualquer particular a invocação de posições subjectivas activas que dele decorram. A questão enfraquece quando olhamos para o número 2 do artigo 83º do Regulamento de Processo junto do TJUE e constatamos que este impõe apenas dois requisitos, o fumus boni iuris e o periculum in mora omitindo o critério da ponderação de interesses.

BIBLIOGRAFIA
  • ·         MARIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos
  • ·         ALBERTO DOS REIS, A figura do processo cautelar
  • ·         MIGUEL PRATA ROQUE, Reflexões sobre a Reforma da tutela cautelar administrativa
  • ·         TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil
  • ·         CARLA AMADO GOMES, O regresso de Ulisses: um olhar sobre a reforma da justiça cautelar administrativa


Manuel Fragoso Mendes
19714

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Petição inicial (versão final)

Petição Inicial:


Exmo. Sr. Doutor Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de círculo de Lisboa

Noé das Arcas, biólogo, viúvo, portador do cartão do cidadão nº13974793, contribuinte fiscal nº 260122808, residente na Praça da Figueira nº 23, 3º D 1200-456 Lisboa, representado por Dra. Bárbara Amaral Correia, Dra. Filipa Sousa, Dr. Manuel Fragoso Mendes, Dra. Sara Garcia de Sousa e por Dra. Telma Castro todos com domicílio profissional na Alameda da Universidade 1649-014 Lisboa.

Vem intentar

ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL para declaração de ilegalidade do Regulamento do Animal Doméstico (Portaria nº 313/2013 de 22 de Outubro) nos termos do art. 29º/1 CPA e do art. 16º-A da Lei Orgânica do Governo, aprovada pelo DL 119/2013,e para desaplicação das normas constantes no mesmo Regulamento com fundamento nos arts. 46º/2 c) e 73º/1 e 2 CPTA, contra o Ministério da Agricultura e do Mar de acordo com o art.10º/2 do CPTA, representado na pessoa da Exma. Ministra da Agricultura e do Mar, nos termos do art. 16º-A do DL: 86-A/2011, 12 Julho, contribuinte fiscal nº 2865051 sito, na Praça do Comércio 1149-010 Lisboa

Nos termos da lei, com os seguintes fundamentos:
I – DOS FACTOS
O Regulamento do Animal Doméstico foi emitido pelo Ministério da Agricultura e do Mar e visa regular as condições em que devem ser mantidos animais em zonas urbanas.

O Autor é proprietário de uma fracção autónoma na baixa lisboeta, com duas assoalhadas perfazendo uma área total de 150m2, a qual inclui acesso a um pátio, parte integrante da fracção autónoma de 50m2.


Nessa mesma fracção habita harmoniosa e pacificamente um conjunto de várias espécies animais, nomeadamente: quatro macacos, quatro gatos, quatro cães, quatro periquitos, quatro araras, quatro hamsters, quatro tartarugas, quatro cobras de água, quatro lagartos e um número incerto de insectos (sendo moscas, mosquitos, baratas, aranhas, formigas as espécies mais abundantes).

Esta panóplia de criaturas, para além do interesse humano, serve de base à investigação científica do A. no âmbito da preparação da sua tese de doutoramento sobre socialização inter-espécies. O A., mestre em Biologia, sempre conduziu as suas pesquisas nas mais elevadas condições de segurança e higiene.

O A. adquiriu estas espécies aquando do nascimento das mesmas já com o propósito de iniciar estes estudos para a sua tese.

O A. sempre foi cuidadoso, diligente e afectuoso com os seus animais, não os vendo apenas como objecto de estudo, respeitando em absoluto as normas contidas no Decreto-Lei nº 276/2001 de 17 de Outubro, em particular os arts. 7º a 17º quanto ao bem estar dos animais, seu transporte, saúde, alimentação e segurança de terceiros; bem como o art. 33º sobre cuidados veterinários, o art. 38º quanto ao pessoal auxiliar importante para assegurar as condições de saúde e higiene dos animais, o art. 59º no que exige licença para animais selvagens e o art. 61º que refere as medidas de segurança para o alojamento e circulação de todos os animais 

As aves encontram-se alojadas em gaiolas cumprindo as exigências do art. 28º do DL em análise, e os hamsters numa caixa (art. 26º), ambasde dimensões apropriadas, adquiridas em loja de animais conforme doc. 1 que se junta.

As tartarugas têm um recinto próprio e as cobras de água encontram-se em tanques de água adequados às suas necessidades (doc.1), de acordo com os arts. 29º e 30º do mesmo DL.

Os lagartos vivem num terrário e as aranhas ficam em aquários (doc.1) que reproduzem tanto quanto possível os seus habitats naturais.

10º
Os insectos habitam em viveiros (doc.1)

11º
Os macacos,sendo animais selvagens, não se encontram abrangidos pelo Regulamento em apreço, todavia o A. tem as necessárias licenças de detenção, como exige o art. 59º do mesmo DL. Todavia, considerando o art. 1º da Portaria nº 313/2013 de 22 de Outubro, os macacos são animais domésticos.

12º
O A. faz questão de cumprir com os requisitos de alojamento e repouso previstos no art. 27º do DL para os cães e gatos. Nomeadamente, no que respeita às dimensões mínimas de alojamento os critérios encontram-se respeitados pois os cães dormem nas suas casotas de 6 metros de base e de 180 centímetros de altura cada, no recinto exterior; dormindo os gatos nas suas camas espalhadas pela habitação a diferentes alturas; existindo sempre caixas de areia na zona específica para os excrementos

13º
Os seus cães, nãoperigosos e de pequeno porte, são passeados com a devida regularidade. Em regra, três vezes por dia.

14º
Até à data, todos os animais têm sido sujeitos a exames veterinários adequados, observando o disposto no art. 33º do mesmo DL. Não revelando qualquer espécie de maleitas susceptíveis de constituir um risco para a saúde pública

15º
Não há memória de qualquer incidente causado pelos animais do A.

16º
Até ao momento, não foi apresentada ao A. nenhuma reclamação quanto a condições de higiene, poluição sonora ou distúrbios que pudessem pôr em causa a segurança de terceiros

17º
Desde que o A. partilha o seu espaço com os animais que contratou uma auxiliar para o tratamento dos mesmos (art. 38º do DL 276/2001). Esta pertence, em regime de voluntariado, a uma associação de protecção dos animais (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DOS ANIMAIS).
Contratou, ainda, uma empregada de limpeza a tempo inteiro para garantir a total higiene e salubridade da habitação.

18º
A alimentação é adequada a cada tipo de espécie, escolhida com o maior rigor (doc.2).


19º
O A. cumpre todos os requisitos de transporte presentes no art. 10º e 61º do Decreto-Lei276/2001


II – DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO

20º
O A. dispõe de legitimidade activa para impugnação deste Regulamento, nos termos do art. 73º/2 CPTA, por ser titular de um interesse directo e pessoal, por ter sido prejudicado pelo Regulamento do Animal Doméstico nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

21º
A. intenta esta acção contra R., o qual dispõe de legitimidade passiva, nos termos do art.º 10º/1 e nº2 CPTA, onde se estabelece que a acção “deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida”, em especial contra entidades públicas, como é o caso.

22º
A acção é tempestiva pois, de acordo com o art. 74º CPTA, “a declaração de ilegalidade pode ser pedida a todo o tempo” 

23º
Nos termos do art. 44º/1 ETAF o tribunal em que se intenta a presente acção é materialmente competente.

24º
De acordo com o mapa anexo ao DL 325/2003 de 29 de Dezembro é o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa territorialmente competente.

25º
O Regulamento foi emitido pelo Ministério da Agricultura e do Mar, não tendo competência para tal (art. 29º/1 CPA e art. 16º-A da Lei Orgânica do Governo, aprovada pelo DL 119/2013).

26º
O órgão competente para praticar o acto administrativo seria o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia nos termos do art. 16º-A da Lei Orgânica do Governo.

27º
Pede-se a DESAPLICAÇÃO DA NORMA constante no art. 2º b) do Regulamento do Animal Doméstico (Portaria nº 313/2013 de 22 de Outubro) que limita a 10 o número máximo de animais domésticos que podem habitar em fracções de prédios urbanos de áreas inferiores a 500 m2. Na medida em que todos os animais domésticos do A. se encontram em espaços próprios, adequados às suas necessidades e em condições de máxima higiene. O A. não compreende o motivo da presente norma que vem restringir o seu direito de propriedade, consagrado constitucionalmente no art. 62º/1 da CRP.

28º
Pede-se igualmente a DESAPLICAÇÃO DA NORMA presente nas alíneas a) e b) do art.5º do Regulamento do Animal Doméstico, pois para o A. a imposição legal que o obrigue a passear pelo menos duas vezes por dia todos os seus animais de “quatro patas ou membros inferiores em número equivalente” não é legal com base no direito consuetudinário. Essa obrigação não tem sentido quanto à maioria dos animais do A., nomeadamente quanto aos seus: macacos, lagartos, hamsters, tartarugas. Quão bizarro seria obrigar o A. a passear diariamente, por exemplo, os seus hamsters e tartarugas pelos espaços públicos da cidade. Quanto aos seus gatos, é de conhecimento geral que estes não são animais que careçam de passeio, mas que faz parte da natureza dos mesmos andarem por casa e pelo pátio pertencente à fracção do A.

29º
E, ainda, a DESAPLICAÇÃO DA NORMA presente no art. 8º do mesmo Regulamento porque não cabe no âmbito do Direito regular questões de aparência e beleza dos animais domésticos. Contudo, ainda se regulasse, estaríamos perante uma situação de discriminação em função do sexo dos animais. 

30º
Pelo descrito acima, pede-se a desaplicação daquelas normas do Regulamento do Animal Doméstico através da declaração da sua ilegalidade com base nos artigos 46º/2 c e 73º/2 CPTA. Os requisitos do último artigo em questão encontram-se preenchidos uma vez que não se pretende a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, mas sim, a mera desaplicação no caso concreto.

31º
O A. entende que este regulamento viola o seu direito de propriedade pois, para o Direito, os animais são coisas móveis, como se depreende da aplicação dos arts. 202º/1 e 205º/1 do Código Civil, e também o seu direito à vida privada, dado que limita simultaneamente o número de animais que pode ter e as condições em que os pode ter.

32º
Direitos esses consagrados constitucionalmente nos artigos 62º/1 e26º/1 da CRP.

33º
As limitações ao direito de propriedade e reserva da vida privada devem ser unicamente utilizadas pela Administração Pública quando seja realmente necessário tutelar um valor superior.

34º
Tutela essa que no regulamento em causa é perfeitamente escusada, dada a situação descrita no presente articulado.

35º
Temos assim, um abuso do ius imperii da Administração Pública.

36º
Assim sendo, para além da mencionada incompetência do Ministério que emitiu o regulamento, o A. funda também, pelos motivos descritos acima, o seu pedido na ilegalidade material das normas.

37º
Nunca houve qualquer espécie de relato qualquer violação dos ditames de boa vizinhança, exigida no art. 1346ºCC.


Nestes termos e nos demais de direito, pelas razões acima expostas, deve a acção ser julgada procedente e, em consequência, as normas dos artigos 2º b); art. 5º/1 a) e b) e art. 8º do Regulamento do Animal Doméstico (Portaria nº 313/2013 de 22 de Outubro) serem desaplicadas quanto ao caso em concreto com base na sua ilegalidade material. E o Regulamento do Animal Doméstico declarado ilegal por incompetência do Ministério da Agricultura e do Mar nos termos do art. 29º/1 CPA e do art. 16º-A da Lei Orgânica do Governo, aprovada pelo DL 119/2013

Valor da acção: €30.000.01.
A acção, por respeitar a normas, é de valor indeterminado. Estão em causa bens imateriais e interesses difusos o valor considera-se superior ao da Alçada do Tribunal Central Administrativo (34º/1 e nº2 CPTA + 6º/4 ETAF) correspondendo à estabelecida para os Tribunais da Relação acrescido de 1 cêntimo – €30.000,00 + €0,01 (art. 44º/1 Lei 63/2013).
PROVA:
Propõe-se provar os factos que constam dos arts. 4º a 7º e 12º a 17º da presente petição.

Os factos dos artºs7º a 10º encontram-se provados pela Factura de 12/08/2010 emitida por PETZ ‘R’ US , que se junta como doc. 1; o facto narrado no art. 18º está provado pela Factura de 20/07/2013 emitida por Dr. Doolittle, comunicamos com todos os animais, que se junta como doc. 2.

Junta: Dois documentos, procuração, DUC e comprovativo do pagamento da taxa de justiça.


Testemunhas:
Maria Gustava dos Prazeres e Morais, divorciada, veterinária, residente na Rua Bento Gonçalves nº13 em Lisboa, portadora do CC 12345678.

Inês Passos Dias Aguiar Mota, casada, auxiliar de limpeza, residente na Rua da Liberdade nº 11 no Samouco, portadora do CC 18765432


Os advogados,

Bárbara Amaral Correia

Filipa Sousa

Manuel Fragoso Mendes

Sara Garcia de Sousa



Telma Castro