sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Processos em massa e acção popular

Tendo por base a abundância de situações jurídicas administrativas que, cada vez mais, assolam os nossos tribunais (situações estas que se traduzem em interesses particulares idênticos, carecidos de solução idêntica), o legislador criou vários mecanismos que visam uma maior simplicidade, agilidade e celeridade do contencioso administrativo. Os processos em massa (art.48º CPTA) e a acção popular (Lei 83/95 de 31 de Agosto – LAP; art. 9º/2 CPTA) são bons exemplos deste tipo de mecanismos. Ainda que existam semelhanças, no que diz respeito ao tipo de interesses em causa e à própria tramitação, verificam-se algumas diferenças entre estes dois mecanismos.
Cabe, desde já, explicitar cada um deles.

Processos em massa
Como acima referido, um dos principais objectivos dos processos em massa é a efectivação da economia processual uma vez que neles se tenta juntar processos que já foram intentados. Deste modo, neste instituto, é escolhido um processo (aquele que melhor representa as questões alegadas nos restantes processos) que culminará numa decisão final. Quanto aos restantes processos, eles ficam suspensos (art. 48º/1 in fine CPTA), sendo esta uma das particularidades deste mecanismo.

O art.48º/1 CPTA estabelece os requisitos necessários para a sua concretização. São eles:
- existência de mais de 20 processos intentados
- que esses processos se reportem a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa
- os processos digam respeito à mesma relação jurídica material (i.e, relação na qual existam os mesmos direitos e deveres dos particulares ou da Administração), ou, ainda que assim não seja, haja susceptibilidade de decisão com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.

 Quanto à tramitação do processo seleccionado, é aplicável o regime dos processos urgentes (art.48º/4 CPTA), ou seja, aplicam-se-lhe os arts.78º e ss. CPTA por via dos arts.99º/1 e/ou 102º/1 CPTA. Para além disso, devem intervir todos os juízes na decisão deste tipo de processos de forma a uniformizar a posição jurisprudencial aí defendida.

Também não nos podemos esquecer do que refere o art.48º/5 CPTA, onde se prevê a notificação das partes cujos processos estão suspensos, de forma a estas poderem agir de acordo com o disposto nas quatro alíneas desse artigo. Assim, nos casos em que a decisão do processo seleccionado transitou em julgado e quando tal solução se aplique (nos termos do nº1) aos processos suspensos, depois de notificada, a parte pode:
- desistir do seu próprio pedido
- requerer a extensão do seu caso dos efeitos da sentença
- requerer a continuação do seu processo
- recorrer da sentença (apenas a que tiver sido proferida em primeira instância).
A lei estabelece um prazo de 30 dias para a actuação das partes sendo que, passado este prazo, extingue-se a instância, nos termos do art.277º e) do novo CPC (ex vi art.1º CPTA).

Por último, o art.161º/2 CPTA abre a possibilidade da extensão dos efeitos da sentença às situações de processos em massa. Daqui resulta que um particular que nem sequer tenha recorrido a tribunal possa ver o seu caso resolvido através da extensão dos efeitos da sentença do processo seleccionado.

Acção popular
Os interesses que estão em causa neste tipo de acção são os interesses difusos, os quais encontram tutela constitucional no art.52º/3 CRP e também merecem referência no art.9º/2 CPTA. Este artigo, para além de estender o conceito de legitimidade activa e de permitir a intervenção no processo de quem não faça parte a relação material, tem em vista o exercício do direito de acção popular. É assim que MÁRIO AROSO DE ALEMIDA tem entendido – um direito. Esta concepção não parece suscitar dúvidas tendo em conta a já referida consagração constitucional deste direito.

No caso da acção popular, está em causa apenas um processo mas estão a ele associados direitos que pertencem a toda a colectividade, como por exemplo, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, entre outros referidos no art.1º/2 LAP). O art.2º LAP refere quem tem legitimidade para propor a acção popular, sendo que são titulares desse direito todos os cidadãos, as associações e fundações e também as autarquias locais.

Discute-se, porém, se a acção popular pode ser encarada como uma forma de processo ou não.
VIEIRA DE ANDRADE inclui a acção popular no elenco das formas de processo principal, pelo que para o autor, tal acção corresponde a uma forma de processo.
Diferentemente, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera que a acção popular não é uma forma de processo visto que a tramitação da LAP não é suficiente para consubstanciar uma forma autónoma de processo e as partes referidas pelo art.9º/2 CPTA têm legitimidade para demandar pretensões distintas, o que leva a formas de processo diferentes.


Bibliografia:
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010.
- MÁRIO CUNHA, A acção popular e o contencioso administrativo.
- VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise, 2ª edição, 2009.
- VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa – Lições, Almedina, 2010.


Miguel Pacheco nº 18320

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Petição inicial

Petição Inicial:

Exmo. Sr. Doutor Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de círculo de Lisboa

Noé das Arcas, biólogo, viúvo, portador do cartão do cidadão nº13974793, contribuinte fiscal nº 260122808, residente na Praça da Figueira nº 23, 3º D 1200-456 Lisboa, representado por Dra. Bárbara Amaral Correia, Dra. Filipa Sousa, Dr. Manuel Fragoso Mendes, Dra. Sara Garcia de Sousa e por Dra. Telma Castro todos com domicílio profissional na Alameda da Universidade 1649-014 Lisboa.

Vem nos termos dos artigos 46º/2 c), 112º/2 a), 114º/1 b) do CPTA intentar

ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL para declaração de ilegalidade, com fundamento nos arts. 46º/2 c) e 73º/1 e 2 CPTA, contra o Ministério da Agricultura e do Mar de acordo com o art. 10º/2 do CPTA, representado na pessoa da Exma. Ministra da Agricultura e do Mar, nos termos do art. 16º-A do DL: 86-A/2011, 12 Julho, contribuinte fiscal nº 2865051 sito, na Praça do Comércio 1149-010 Lisboa

Nos termos da lei, com os seguintes fundamentos:

I – DOS FACTOS

O Regulamento foi emitido pelo Ministério da Agricultura e do Mar.

O Autor é proprietário de uma fracção autónoma na baixa lisboeta, com duas assoalhadas perfazendo uma área total de 150m2, a qual inclui acesso a um pátio, parte integrante da fracção autónoma de 50m2


Nessa mesma fracção habita harmoniosa e pacificamente um conjunto de várias espécies animais, nomeadamente: quatro macacos, quatro gatos, quatro cães, quatro periquitos, quatro araras, quatro hamsters, quatro tartarugas, quatro cobras de água, quatro lagartos e um número incerto de insectos (sendo moscas, mosquitos, baratas, aranhas, formigas as espécies mais abundantes)

Esta panóplia de criaturas, para além do interesse humano, serve de base à investigação científica do A. no âmbito da preparação da sua tese de doutoramento sobre socialização inter-espécies. O A., mestre em Biologia, sempre conduziu as suas pesquisas nas mais elevadas condições de segurança e higiene

O A. adquiriu estas espécies aquando do nascimento das mesmas já com o propósito de iniciar estes estudos para a sua tese

O A. sempre foi cuidadoso, diligente e afectuoso com os seus animais, não os vendo apenas como objecto de estudo, respeitando em absoluto as normas contidas no Decreto-Lei nº 276/2001 de 17 de Outubro

As aves encontram-se alojadas em gaiolas cumprindo as exigências do art. 28º do DL em análise, e os hamsters numa caixa (art. 26º), ambasde dimensões apropriadas

As tartarugas têm um recinto próprio e as cobras de água encontram-se em tanques de água adequados às suas necessidades, de acordo com os arts. 29º e 30º do mesmo DL

Os lagartos vivem num terrário e as aranhas ficam em aquários que reproduzem tanto quanto possível os seus habitats naturais

10º
Os insectos habitam em viveiros

11º
Os macacos, sendo animais selvagens, não se encontram abrangidos pelo Regulamento em apreço, todavia o A. tem as necessárias licenças de detenção, como exige o art. 59º do DL 

12º
O A. faz questão de cumprir com os requisitos de alojamento, condições de higiene e repouso previstos no art. 27º do DL para os cães e gatos

13º
Os seus cães, não potencialmente perigosos e de pequeno porte, são passeados com a devida regularidade

14º
Até à data, todos os animais têm sido sujeitos a exames veterinários adequados, observando o disposto no art. 33º do mesmo DL. Não revelando qualquer espécie de maleitas susceptíveis de constituir um risco para a saúde pública

15º
Não há memória de qualquer incidente causado pelos animais do A.

16º
Até ao momento, não foi apresentada ao A. nenhuma reclamação quanto a condições de higiene, poluição sonora ou distúrbios que pudessem pôr em causa a segurança de terceiros

17º
Desde que o A. partilha o seu espaço com os animais que contratou uma auxiliar para o tratamento dos mesmos (art. 38º do DL). Esta pertence, em regime de voluntariado, a uma associação de protecção dos animais (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DOS ANIMAIS).
Contratou, ainda, uma empregada de limpeza a tempo inteiro para garantir a total higiene e salubridade da habitação

18º
A alimentação é adequada a cada tipo de espécie, escolhida com o maior rigor

19º
O A. cumpre todos os requisitos de transporte presentes no art. 10º e 61º do Decreto-Lei



II – DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO

20º
O A. dispõe de legitimidade activa para impugnação deste Regulamento, nos termos do art.º 55º/1 a)e art. 73º/1 e 2 CPTA, por ser titular de um interesse directo e pessoal, por ter sido prejudicado pelo Regulamento nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos

21º
A. intenta esta acção contra R., o qual dispõe de legitimidade passiva, nos termos do art.º 10º/1 e nº2 CPTA, onde se estabelece que a acção “deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida”, em especial contra entidades públicas, como é o caso

22º
A acção é tempestiva pois, de acordo com o art. 74º CPTA, “a declaração de ilegalidade pode ser pedida a todo o tempo” 

23º
Nos termos do art. 44º/1 ETAF o tribunal em que se intenta a presente acção é materialmente competente

24º
De acordo com o mapa anexo ao DL 325/2003 de 29 de Dezembro é o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa territorialmente competente

25º
O Regulamento foi emitido pelo Ministério da Agricultura e do Mar, não tendo competência para tal (art. 29º/1 CPA e art. 16º-A da Lei Orgânica do Governo)

26º
O órgão competente para praticar o acto administrativo seria o Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia nos termos do art. 16º-A da Lei Orgânica do Governo

27º
Pede-se a DESAPLICAÇÃO DA NORMA através da declaração da sua ilegalidade com base no art. 73º/2 CPTA. Os requisitos do artigo em questão encontram-se preenchidos uma vez que não se pretende a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, mas sim, a mera desaplicação no caso concreto


28º
O A. Entende ainda que este regulamento viola o seu direito de propriedade,

29º
Direito esse que é consagrado constitucionalmente no artigo 61º/1 da CRP.

30º
As limitações ao direito de propriedade devem ser unicamente utilizadas pela Administração Pública quando seja realmente necessário tutelar um valor superior.

31º
Tutela essa que no regulamento em causa é perfeitamente escusada, dada a situação descrita no presente articulado.

32º
Temos assim, um abuso do ius imperii da Administração Pública.

33º
Sendo que para além da mencionada incompetência do Ministério que emitiu o regulamento, o A. funda o seu pedido também na ilegalidade material

34º
Não há qualquer violação dos ditames de boa vizinhança, exigida no art. 1346ºCC


Nestes termos e nos demais de direito, pelas razões acima expostas, deve a acção ser julgada procedente e, em consequência o Regulamento desaplicado quanto ao caso em concreto com base na sua ilegalidade


Valor da acção: por estarem em causa bens imateriais e interesses difusos o valor considera-se superior ao da Alçada do Tribunal Central Administrativo (34º/1 e nº2 CPTA + 6º/4 ETAF) correspondendo à estabelecida para os Tribunais da Relação acrescido de 1 cêntimo – €30.000,00 + €0,01 (art. 44º/1 Lei 63/2013). Logo, o valor da acção é €30.000.01.


Junta anexos, lista de testemunhas e PROVIDÊNCIA CAUTELAR, nos termos do 114º/1 b)

Testemunhas:
Maria Gustava dos Prazeres e Morais
Inês Passos Dias Aguiar Mota
Antónia Dora Bicho
Óscar Azevedo Pereira



Os advogados, 

Providência cautelar

Nos termos do artigo 114º/1 b), vem o A.requerer uma PROVIDÊNCIA CAUTELAR de suspensão da eficácia de norma, prevista no 112º/2 a) CPTA, com o seguinte fundamento:

Encontra-se preenchido o requisito de fumus bónus iuris, ou aparência de bom direito, pois este regulamento pode potencialmente causar danos sérios ao direito de propriedade do A., consagrado no art. 61º/1 CRP, dado que limita o número de animais que este pode ter na sua habitação

Regulamento esse que está ferido de ilegalidade, dada a incompetência da Ministra da Agricultura e do Mar, pelo explicitado na petição inicial à qual este requerimento é anexado

Existe periculum in mora, pois a eficácia deste regulamento durante o processo principal iria causar prejuízos de difícil reparação ao A., nomeadamente na potencial perda dos seus animais, e tudo que isso acarretaria

Como ensina ALBERTO DOS REIS, “Não basta, decerto, qualquer receio vago e inconsistente; é indispensável que o receio seja justo, quer dizer fundado em factos, atitudes, indícios seguros; mas daí até à proposição de que o tribunal só deve decretar as providências quando tenha adquirido a certeza de que vai produzir-se lesão, a distância é grande”

E assim, de acordo com o 120º/1 b) CPTA, cremos estar preenchido o requisito de periculum in mora

Na esteira de PRATA ROQUE, “… atento o carácter sumário da prova cautelar, o juiz deverá sempre dar por preenchido o requisito do periculum in mora, desde que não tenha ficado demonstrado manifestamente a impossibilidade de ocorrência de anos para o requerente.”

Na ponderação de interesses exigida pelo art. 120º/3 CPTA, cremos que o deferimento da PROVIDÊNCIA CAUTELAR surge como meio necessário e adequado à prossecução do fim pretendido, não existindo qualquer circunstancialismo que justifique o seu indeferimento

No entendimento do A., e feita a devida ponderação de interesses, o deferimento desta PROVIDÊNCIA não prejudica em nada o interesse público, salvaguardando o sagrado direito de propriedade do A.

Até porque de acordo com o art. 130º/1 o efeito da PROVIDÊNCIA CAUTELAR requerida se limita ao caso concreto

10º
O âmbito material deste regulamento inclui valores como a higiene, segurança e a poluição sonora, respeitados pelo A. independentemente da existência de regulamentação

11º
O A. desconhece a identidade e residência de eventuais contra-interessados nesta PROVIDÊNCIA CAUTELAR

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o tribunal considerar procedente a PROVIDÊNCIA CAUTELAR ora requerida, suspendendo a aplicação do regulamento ao A. de acordo com o artigo 130º/1


Os Advogados