Tendo por base a abundância de situações jurídicas administrativas que, cada vez mais, assolam os nossos tribunais (situações estas que se traduzem em interesses particulares idênticos, carecidos de solução idêntica), o legislador criou vários mecanismos que visam uma maior simplicidade, agilidade e celeridade do contencioso administrativo. Os processos em massa (art.48º CPTA) e a acção popular (Lei 83/95 de 31 de Agosto – LAP; art. 9º/2 CPTA) são bons exemplos deste tipo de mecanismos. Ainda que existam semelhanças, no que diz respeito ao tipo de interesses em causa e à própria tramitação, verificam-se algumas diferenças entre estes dois mecanismos.
Cabe, desde já, explicitar cada um deles.
Processos em massa
Como acima referido, um dos principais objectivos dos processos em massa é a efectivação da economia processual uma vez que neles se tenta juntar processos que já foram intentados. Deste modo, neste instituto, é escolhido um processo (aquele que melhor representa as questões alegadas nos restantes processos) que culminará numa decisão final. Quanto aos restantes processos, eles ficam suspensos (art. 48º/1 in fine CPTA), sendo esta uma das particularidades deste mecanismo.
O art.48º/1 CPTA estabelece os requisitos necessários para a sua concretização. São eles:
- existência de mais de 20 processos intentados
- que esses processos se reportem a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa
- os processos digam respeito à mesma relação jurídica material (i.e, relação na qual existam os mesmos direitos e deveres dos particulares ou da Administração), ou, ainda que assim não seja, haja susceptibilidade de decisão com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.
Quanto à tramitação do processo seleccionado, é aplicável o regime dos processos urgentes (art.48º/4 CPTA), ou seja, aplicam-se-lhe os arts.78º e ss. CPTA por via dos arts.99º/1 e/ou 102º/1 CPTA. Para além disso, devem intervir todos os juízes na decisão deste tipo de processos de forma a uniformizar a posição jurisprudencial aí defendida.
Também não nos podemos esquecer do que refere o art.48º/5 CPTA, onde se prevê a notificação das partes cujos processos estão suspensos, de forma a estas poderem agir de acordo com o disposto nas quatro alíneas desse artigo. Assim, nos casos em que a decisão do processo seleccionado transitou em julgado e quando tal solução se aplique (nos termos do nº1) aos processos suspensos, depois de notificada, a parte pode:
- desistir do seu próprio pedido
- requerer a extensão do seu caso dos efeitos da sentença
- requerer a continuação do seu processo
- recorrer da sentença (apenas a que tiver sido proferida em primeira instância).
A lei estabelece um prazo de 30 dias para a actuação das partes sendo que, passado este prazo, extingue-se a instância, nos termos do art.277º e) do novo CPC (ex vi art.1º CPTA).
Por último, o art.161º/2 CPTA abre a possibilidade da extensão dos efeitos da sentença às situações de processos em massa. Daqui resulta que um particular que nem sequer tenha recorrido a tribunal possa ver o seu caso resolvido através da extensão dos efeitos da sentença do processo seleccionado.
Acção popular
Os interesses que estão em causa neste tipo de acção são os interesses difusos, os quais encontram tutela constitucional no art.52º/3 CRP e também merecem referência no art.9º/2 CPTA. Este artigo, para além de estender o conceito de legitimidade activa e de permitir a intervenção no processo de quem não faça parte a relação material, tem em vista o exercício do direito de acção popular. É assim que MÁRIO AROSO DE ALEMIDA tem entendido – um direito. Esta concepção não parece suscitar dúvidas tendo em conta a já referida consagração constitucional deste direito.
No caso da acção popular, está em causa apenas um processo mas estão a ele associados direitos que pertencem a toda a colectividade, como por exemplo, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, entre outros referidos no art.1º/2 LAP). O art.2º LAP refere quem tem legitimidade para propor a acção popular, sendo que são titulares desse direito todos os cidadãos, as associações e fundações e também as autarquias locais.
Discute-se, porém, se a acção popular pode ser encarada como uma forma de processo ou não.
VIEIRA DE ANDRADE inclui a acção popular no elenco das formas de processo principal, pelo que para o autor, tal acção corresponde a uma forma de processo.
Diferentemente, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera que a acção popular não é uma forma de processo visto que a tramitação da LAP não é suficiente para consubstanciar uma forma autónoma de processo e as partes referidas pelo art.9º/2 CPTA têm legitimidade para demandar pretensões distintas, o que leva a formas de processo diferentes.
Bibliografia:
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010.
- MÁRIO CUNHA, A acção popular e o contencioso administrativo.
- VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise, 2ª edição, 2009.
- VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa – Lições, Almedina, 2010.
Miguel Pacheco nº 18320